Há mais de um ano, o diretor, que durante décadas não fez longas do gênero que o consagrou em Hollywood, anunciara seu retorno à ficção científica. Blade Runner - O Caçador de Androides, visto como clássico em relação à uma inusitada análise sobre o futuro e os avanços da robótica (tema abordado exaustivamente nos anos seguintes) foi, no mundo sci-fi, o último titulo e legado desse cineasta, que, até 2012, trouxe excepcionais filmes épicos (Gladiador, Cruzada, Robin Hood), de terror (Hannibal), de ação (Rede de Intrigas), guerra (Falcão Negro Em Perigo) e dramas (Crianças Invisíveis) ao favoritismo da crítica e público, inclusive ao maior prêmio atual da sétima arte por inúmeras vezes - sempre com requintado roteiro, produção e trilha sonora (assinada por mestres como Hans Zimmer).
Contudo, a ascensão do diretor acontecia antes de Blade Runner, no ano de 1979. Mais especificamente, num asteroide há milhares de anos luz da Terra, quando a equipe com sete tripulantes de uma nave-cargueiro descobria um novo e assustador tipo de forma de vida, que se tornaria o oitavo passageiro da espaçonave numa sequência de 1 hora e 50 minutos de perturbador e consistente drama.
"Atualmente", outro grupo de pesquisadores e soldados, em busca da origem da humanidade, ruma a outro planeta e acaba também se encontrando com um sinistro alienígena, numa trama que tenta recriar as sequências de drama e suspense de 79. Tenta-se dar pretensões filosóficas em mensagens intelectuais subliminares que almejam falar sobre criação, fé ou religião.
Mas, faltou a consistência - em toda a trama e, principalmente, na direção, assinada pelo cineasta britânico com o enorme currículo cinematográfico acima enfatizado, porém que agora se defronta com o erro de pensar tão alto ao elaborar uma tese de nome mítico que deixa passar enormes incoerências e mantém o que havia de mais desnecessário para o desenvolvimento de seu novo filme, o qual culmina numa fria e decepcionante conclusão. Durante muito tempo, a crítica viu o auge de Ridley Scott. Um tempo, todavia, finito.
PROMETHEUS
O nome é sugestivo.
Em nossa época, nenhum governo gostaria de investir trilhões de dólares numa expedição para fora do mundo sem ter evidências de que a pesquisa dará frutos. Parece que, em 2089, esses princípios mudaram. Após dois exploradores descobrirem um desenho de um homem fazendo malabarismos em pinturas rupestres antigas ao redor do planeta, descobrem que as bolas que "os malabaristas" dos desenhos estavam jogando na realidade eram planetas e que os acrobatas eram engenheiros que haviam criado o ser humano (Como realizam tal descoberta? Sendo os maiores dominadores da dedução da história - única explicação plausível). A empresa Weyland, por motivos obscuros (futuramente revelados na história), acha essa explicação suficiente para quebrar os cofrinhos e financiar uma equipe de cientistas e soldados para ir até os mundos (indicados pelos Engenheiros) a bordo da espaçonave PROMETHEUS.
Nessa equipe está o andróide Dave, por Michael Fassbender (o Magneto de X-Men - Primeira Classe), numa atuação altamente contemplativa, gelada, como é requerida de um robô (ou de Kristen Stewart). Completamente o oposto da personagem de Charlize Theron, uma doutora intrépida e sem piedade - personalidade esta completamente mal explicada no clímax da trama. Outro nome que consta nos créditos é de Guy Pearce; e, de fato, somente nos créditos percebemos que ele está lá. Além de interpretar o idoso e doente Sr. Weyland, as feições de Pearce são destruídas, deixando-o irreconhecível com esse efeito extremamente dispensável que desvalorizou toda a interptetação do premiado ator - que já fez parte do elenco de Priscila - A Rainha do Deserto e O Conde de Monte Cristo.
Após sair da câmara hiperbárica (que congela uma pessoa por eras se necessário, adequada para viagens espaciais de longa distância) quando PROMETHEUS chega ao destino, Elizabeth Shaw ganha destaque na trama; entre a fé e o ceticismo, a doutora de Noomi Rapace mostra enorme fascínio ao explorar a instalação abandonada dos Engenheiros, um deslumbramento que se torna pavor.
Tanto pavor que Rapace interpreta chegando ao exagero, principalmente na (mais intrigante) cena em que o sonho de Shaw em ser mãe vira realidade. Cena esta que conta com o design original de H.R Giger que criou, em Oitavo Passageiro, todo o aterrador desenho do Alien, do asqueroso ovo ao ser que gruda na face para introduzir a criatura, até o monstro negro com uma enorme cabeça, duas bocas, excessiva amilase salivar e com excelentes mecanismos de defesa (que vão desde a grossa pele ao sangue em forma de ácido molecular).
Você, que não conhecia a mitologia do alienígena e assistiu PROMETHEUS, certamente associou as descrições acima registradas a seres apresentados em momentos do longa que certamente o deixaram embaraçado. E aí está uma grande deficiência do filme: quem não conhece o Alien fica com várias dúvidas na cabeça, relacionadas ao original de 79. Questões acarretadas, sobretudo, pela incrível falta de clareza do roteiro.
Ao sair da sala de cinema, começamos (intrigados com elusivo final) a pensar profundamente sobre a trama - o que é ótimo quando se há argumentos já fornecidos com os quais podemos refletir. Contudo, intentamos encontrar ordem no caos, conexão entre a incoerência, entre os vários aspectos da trama não elucidados, cuja explicação, possivelmente, está na legendária narrativa de Prometeu - titã grego que teria criado o homem a partir do barro e, afeiçoado à sua concepção, concedeu a ela o fogo formado pela aliança dos deuses, enganando-os e desobedecendo sua vontade.
Em Ridley Scott - é onde está a geratriz do contrassenso. O cineasta elabora, em PROMETHEUS, uma tese com premissa filosófica, cuja intelectualidade deveria abordar fé, criação, psicose; no entanto, ao buscar tamanha erudição, Scott despreza a moderação e a prudência e desperdiça a objetividade e nitidez presentes na ficção de 33 anos atrás; numa comparação platônica dualista, ele comete sua transgressão maior ao procurar o avanço para o mundo das ideias e esquecer do real, do legítimo, de fechar as subtramas que foram abertas com o transcorrer do longa-metragem (onde introduz repetinamente ou esquece elementos na história).
Ridley, que já conquistou o título de visionário, agora fica longe do incomum e se perde (ironicamente) na própria criação. Visto que, após a notícia de que retornaria ao gênero sci-fi, o britânico criara elevada esperança e expectativa, essa crítica poderia se resumir numa única palavra, o próprio título do filme. Prometheus.
Crítica de Murillo JAF.